04 fevereiro 2014

Resenha: Cotoco






Autor: John van de Ruit

Editora: Intrínseca
Assunto: Infância, Meninos, Apartheid, África do Sul, Ficção, Internato, Família, Ficção Sul-africana
Páginas: 389
Sinopse: África do Sul, 1990. Dois grandes eventos estão prestes a acontecer: a libertação de Nelson Mandela e, o que para o garoto John Milton é ainda mais importante, o início das aulas no internato. Cercado por pais no mínimo lunáticos, uma avó gagá e colegas de dormitório para lá de estranhos (com apelidos do tipo Lagartixa, Rambo, Rain Man e Cachorro Doido), John (que graças a suas partes íntimas pouco desenvolvidas é debochadamente apelidado de Cotoco) faz o que pode para se adaptar - e tudo indica que não será fácil. Munido apenas da própria perspicácia e de um diário, Cotoco vive uma série de situações bizarras e divertidas: de mergulhos proibidos no meio da madrugada a acirrados campeonatos de críquete, passando pela caça ao fantasma de um professor e por catastróficas férias em família. E é nas páginas de seu diário que acompanhamos o peculiar - e sobretudo engraçadíssimo - funcionamento da mente de um garoto de 13 anos ao descobrir a vida, a amizade... e a pluralidade da fauna humana.






Risos, descobertas e emoções


     Cotoco é contado em forma de diário. O diário de John Milton, um garoto de 13 anos que está prestes a iniciar o ano letivo em um novo colégio (internato, melhor dizendo), que é chamado de Cotoco devido às suas partes íntimas pouco desenvolvidas. Acompanhamos desde sua ansiedade inicial ao desenvolvimento do ano letivo, suas aventuras, amizades, descobertas, férias e claro, loucuras. Com uma família imperdivelmente insana e amigos dispostos a aprontar várias, dá para imaginar que a história segue um rumo engraçado. E sim, segue. O livro traz a saudade daqueles tempos em que tudo era mais fácil, as preocupações eram simples, as piadas sem noção, e a noção de que crescemos. Inclusive, o próprio Cotoco cresce durante a história. Ele passa por situações típicas da idade, e vai aprendendo, amadurecendo, enxergando, diante de um novo mundo aberto diante de si, que as coisas não eram bem como explicavam em casa. E que a vida não é tão simples quanto parecia antes. Por trazer tantas descobertas pelos olhos de um garoto da idade - de forma bem verossímil -, o livro me encantou e me surpreendeu. Ao começar a ler, pensei que se trataria apenas de um livro devagar, para contar bobagens das quais eu não acharia graça. Mas foi muito mais que isso! Foi não só engraçado, mas também revelador, encantador, doce, aventureiro e tocante.

    Antes de ir para o colégio, conhecemos um pouco a família de Cotoco, apesar de conhecermos mais depois. E a família é do tipo que garante boas risadas com várias loucuras. Principalmente seu pai, que toma atitudes precipitadas e um tanto insanas por questões preconceituosas e etc. Imagine chegar em casa e descobrir que ela se transformou numa fortaleza militar por medo de guerra ou revolta por conflitos étnicos? Ah sim... A história é narrada na África do Sul, na época em que Mandela sai da prisão. Então também há um toque político, que envolve as descobertas de Cotoco na escola. Que mostra como aprendemos a pensar nela, muitas vezes. A criticar aquilo que vem de casa, pois o pai de Cotoco é bem preconceituoso, com comunistas, negros e mulheres. Apesar disso, pouco a pouco, John vai se instruindo e aprendendo a ver as coisas por seus olhos. E creio eu que isso aconteça com todos nós, todos, em certo momento, aprendemos a discordar de nossos pais ou família em relação a tal ou qual assunto, diante de outro mundo. 

     A mãe de Cotoco talvez seja a mais normal da família. Já a avó dele... Wombat é uma das personagens mais engraçadas do livro. Uma senhora sem limites às vezes e que acaba confundindo tudo e fazendo uma enorme confusão com aqueles próximos a ela. Já no colégio, Cotoco se enturma com os Oito Loucos (sendo ele um deles), como são chamados os garotos de seu dormitório. Entre eles estão: Cotoco, Rambo, Cachorro Doido, Barril, Esponja, Rain Man (ou Vern), Lagartixa e Simon. Eles são jovens, e eu os imaginei com aparência até mais nova que a do filme, mas isso é assunto para outra hora. A questão é que eles aprontam, usam e abusam das brincadeiras, e a algumas falta o bom senso. Coisa de garoto... Coisas idiotas muitas vezes, mas que na idade as pessoas não percebem, até crescer. Inclusive, algo que me deixou muito feliz foi o fato de Cotoco perceber o sentido ruim e até cruel, às vezes, de tais brincadeiras. De se arrepender de prejudicar o outro para se sentir mais forte. Ele percebe que a força e a coragem estão, na verdade, em outros valores e ações. E eu simplesmente amei essa parte, o modo como o amadurecimento dele é retratado por acontecimentos simples. Afinal, é a vida. Muitas vezes um simples acontecimento muda nossa perspectiva sobre algo, e aprendemos e amadurecemos. Na fase das descobertas em que ele se encontra, isso é ainda mais comum. 

      Outro fator interessante é como acontece de pessoas de fora do nosso círculo familiar não nos aprovarem, seja por nós mesmos ou por nossas habilidades, como acontece num teste para uma peça de teatro de Cotoco. Quando somos mais jovens a rejeição parece algo tão terrível, ficamos tão chateados por não gostarem de nós... Creio que isso tenha a ver com o exagero adolescente. Não é só tão adolescente, afinal, isso já vem da infância. Nos desapegamos aos poucos dessas coisas, através das experiências. Também achei interessante e amei a amizade que Cotoco cria com seu professor de inglês, o Guv. Há professores e professores... Aqueles que entram na sala para fazer exclusivamente seu trabalho, e há aqueles que amam seu trabalho e seus alunos, que viram amigos que levamos sempre no coração. Guv é uma figura assim. Um professor inusitado, inteligente, mas que age ao seu modo, com palavrões e diversas críticas, vinho... Engraçado, amigo e um grande incentivador da literatura à Cotoco, que lê bons livros emprestados por ele.

    O livro me surpreendeu muito, pois eu não esperava a maturidade que traria. Não uma maturidade forçada, mas no tempo certo, diante de suas experiências. São retratados o amor à família, o valor da amizade verdadeira, aquele ar de amizade de escola - que você sabe que nem sempre é verdadeira, mas só se dá realmente conta depois de sair do lugar (o que não é narrado por Cotoco, mas fica evidente), as descobertas dos relacionamentos (o modo de lidar com as garotas, que ele precisa descobrir), o ensino e o senso crítico desenvolvido pelo bom ensino, valores diversos, e até mesmo, o sentimento da perda. Tudo isso em meio a muito bom humor, muitas aventuras e cenas próprias para as idades deles, narradas naturalmente, com bastante verossimilhança. E por essas e outras, só posso dizer que o livro é mais que recomendado, principalmente se você procura certa nostalgia e o sentimento de gratidão às experiências passadas por fazerem de você o que é hoje. E até mesmo, se você quiser presentar aquele alguém que você conhece que está passando por tais experiências, para que veja que não está sozinho. Leia, suspire, se encante e divirta-se! 












O Filme




   Quando estava prestes a terminar de ler, descobri através da Lycia Barros, que também leu e se apaixonou, que havia um filme do livro. Claro que fui procurar. O chato é que não tem tradução para o filme, nem clandestina, já que não foi lançado por aqui. Então o jeito foi ver em inglês. Não sei tão bem inglês, mas consegui entender a maioria das coisas, apesar do sotaque deles. E eu gostei do filme. Óbvio que tem suas diferenças, as adaptações sempre têm (logo, logo farei um post falando sobre isso na coluna Sentimento de Leitor). Os atores parecem mais velhos do que eu imaginei, e o Cotoco me pareceu mais retraído, o distanciamento dele para os garotos ficou mais aparente, só que de outra forma. É como se no livro, fosse um distanciamento por afinidade, por eles não ligarem tanto para ele, mas falarem com ele. Já no filme, ele parece ignorado em alguns momentos, parece que ele demora bem mais para se enturmar. Fora isso e a questão dos cortes e mudanças, o cenário ficou perfeito, exatamente como eu imaginei, principalmente o internato. Só me incomodei por algumas cenas que pareceram tão engraçadas no livro não aparecerem no filme. 

   Eu soube hoje, vendo um vídeo da Alba, do Psychobooks, que o livro tem continuação, mas que não foi publicada. E ainda hoje, procurando o trailer para vocês, descobri que já tem o filme da continuação. O que só fez minha ansiedade aumentar. 








  E é isso, repensei minhas descobertas, lembrei de quando eu tinha a idade de Cotoco e refleti sobre mim mesma. Ri, chorei (sim, tem cenas tristes), e terminei com um carinho muito especial pela história. E você? Já leu? Gostaria de repensar sobre seu passado? Me conta! Comenta!



 Beijos açucarados











Um comentário:

  1. Oi Vivian,
    tudo bem?
    Não conhecia ainda essa história, mas ela parece ser cativante. Essas histórias podem parecer bobas a princípio, mas da simplicidade e inocência das crianças e adolescentes é que tiramos as maiores lições da vida.
    O olhar que elas possuem, a forma como crescem a partir das adversidades é impressionante.
    Acho que vou adorar conhecer o Cotoco e seus amigos.
    ótima dica, coloquei na minha lista.
    Beijinhos.
    cila-leitora voraz
    http://cantinhoparaleitura.blogspot.com.br/

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